sexta-feira, 25 de maio de 2012

A visão e o tabagismo



Artigo publicado na edição de junho de 2009 da revista Universo Visual.

Conheça as Evidências Científicas do Efeito Danoso do Fumo Ativo e Passivo no Sistema Visual


O hábito de fumar é reconhecidamente um fator de risco potencial para uma variedade de doenças cardiovasculares e respiratórias, além de ser significativo na gênese de doenças malignas. Enquanto a maioria das doenças malignas pode ser resultado da associação de fatores genéticos e ambientais, o hábito de fumar é considerado como causa direta de câncer de pulmão e tem forte associação com câncer de próstata, mama e colo intestinal.
Do ponto de vista cardiovascular, fumar provoca aumento nos níveis séricos de colesterol total, do LDL (Low Density Lipoprotein cholesterol, o “mau colesterol”) e triglicérides e diminuição do nível de HDL (High Density Lipoprotein cholesterol, o “bom colesterol”). Os efeitos dislipidêmicos, ateroscleróticos e trombóticos, fortemente associados ao fumo, aumentam absurdamente a incidência de doenças cardiovasculares, com um aparente efeito de dose-dependência na sua relação com mortalidade por doenças cardiovasculares. Nos acidentes vasculares cerebrais (derrames) e no infarto do miocárdio, o hábito de fumar é considerado fator de risco direto. Do ponto de vista epidemiológico, demonstrou-se cientificamente que homens que nunca fumaram tinham 78% de chance de atingir a idade de 73 anos, enquanto aqueles que iniciaram o hábito de fumar aos 20 anos de idade e nunca pararam, 42%.
m relação às doenças oculares, fumar tem sido apontado como fator de risco para oftalmopatia de Graves, glaucoma, catarata e degeneração macular relacionada à idade, levando à cegueira irreversível em muitos casos. Há também fortes evidências científicas do seu efeito danoso sobre a superfície ocular e filme lacrimal e ainda do efeito dose-dependente do fumo sobre as doenças oculares.
Oftalmopatia de Graves
Na oftalmopatia ou doença de Graves, que tem caráter multifatorial, há clara interação entre fatores genéticos e ambientais em sua patogênese. Em fumantes crônicos são encontrados níveis séricos elevados de tireoglobulina e níveis diminuídos de TSH (hormônio estimulante da tireoide). Resultados de pesquisas científicas mostram claramente que há mais fumantes que desenvolvem oftalmopatias associadas à Graves que não-fumantes.
Não menos surpreendente é o fato de que fumantes com oftalmopatia de Graves ativa, moderada e severa apresentem resultados menos favoráveis quanto à resposta ao tratamento por radioterapia, ou qualquer outro tratamento, que não-fumantes.
Degeneração macular relacionada à idade (DMRI)
Caracterizada pela presença de drusas e associação de alterações no epitélio pigmentar da retina e na área macular, a DMRI é uma das principais causas de perda de visão no paciente idoso. Tal cegueira é provocada pela degeneração do epitélio pigmentar da retina e por danos aos fotorreceptores.
Os principais fatores de risco associados à DMRI são idade avançada, hábito de fumar (principalmente na forma exsudativa), alimentação, exposição à radiação ultravioleta e hipercolesterolemia.
Há mais fumantes entre pacientes com DMRI exsudativa que não-fumantes. Em um estudo do Eye Disease Case-Control Study Group nos Estados Unidos, em que 421 pacientes com DMRI neovascular com idade superior a 55 anos foram comparados a 615 controles (sexo e idade compatíveis), demonstrou- se que os fumantes e os ex-fumantes apresentavam maior risco para DMRI que os não-fumantes.
O efeito do hábito de fumar sobre a DMRI também é dose-dependente, e várias teorias têm sido advogadas para essa relação maléfica.
Primeiro, fumar poderia promover o desenvolvimento e a progressão de neovasos sub-retínicos, que levariam à formacão de rede capilar tubular na coriocapilar, provocando denegeração macular disciforme.
Segundo, fumar poderia exercer efeito aterosclerótico e dano hipóxico à vasculatura coroidal, com hipóxia, isquemia e microinfartos na mácula.
Terceiro, oxidantes presentes no cigarro ou gerados pela ativação de células fagocitárias podem aumentar o estresse oxidativo da retina.
Quarto, fumar reduz a concentração plasmática de antioxidantes; por conseqüência, de antioxidantes da retina.
Glaucoma
Neuropatia associada com perdas características de campo visual, na qual a hipertensão ocular é fator de risco maior, o glaucoma está associado à perda irreversível da visão. Segundo estudos recentes, há uma fraca correlação entre o hábito de fumar e o glaucoma. Mas, para a maioria dos autores, o hábito de fumar pode ser um dos fatores ambientais que afetam negativamente o nervo óptico, aumentando o risco de glaucoma.
Em um estudo da dinâmica do humor aquoso, demonstrouse que há um aumento de até 5 mmHg na pressão intraocular imediatamente após fumar. Suspeita-se que vasoconstritores seletivos levem a um aumento da pressão venosa episcleral, impedindo o fluxo normal de escoamento do humor aquoso.

Catarata
Maior causa de cegueira no mundo, a catarata tem etiologia multifatorial e seu mecanismo de formação é complexo. O hábito de fumar é mais um dos muitos fatores de risco, que incluem idade avançada, traumatismo, inflamação intraocular persistente, radiação ultravioleta, diabetes mellitus, hipoparatireodismo, administração prolongada de corticosteróides e índice de massa corpórea elevado. A catarata apresenta relação epidemiológica com o hábito de fumar na forma dose-dependente e cumulativa.
Curiosamente, catarata nuclear tem forte associação com o hábito de fumar cachimbo, maior até que com o de fumar cigarros. Advoga-se que o excesso de fumaça do cachimbo possa causar dano direto ao cristalino, tanto pela entrada direta dos produtos de combustão e condensação do tabaco nos olhos quanto pelo contínuo aumento da temperatura próxima ao cristalino.

Doenças da Superfície Ocular
É perceptível, até para o leigo, o quadro de irritação, hiperemia e, eventualmente, lacrimejamento associado à exposição da fumaça do cigarro.
Em fumantes ativos, várias alterações da superfície ocular têm sido descritas na literatura médica, tais como diminuição do tempo de quebra do filme lacrimal (break-up time), mudanças na camada lipídica do filme lacrimal, diminuição da produção basal de lágrima, diminuição da sensibilidade da córnea e da conjuntiva, diminuição da concentração da lisozima da lágrima e desenvolvimento de metaplasia escamosa da conjuntiva. Em fumantes usuários de lentes de contato, há maior risco de desenvolvimento de infiltrados de córnea, em comparação com os usuários não-fumantes. Além disso, os fumantes têm risco quatro vezes maior de desenvolver ceratite ulcerativa, independentemente do tipo de lente de contato que usam.
Pacientes com alergia ocular, principalmente crianças submetidas passivamente à fumaça do cigarro, apresentam elevação do fator de crescimento de neutrófilos, fator neurotrófico e neurotrofinas 3 e 4 na lágrima, o que piora os sintomas da doença e a torna crônica.
Em conclusão, podemos afirmar que, embora as doenças aqui discutidas apresentem caráter multifatorial, é uma excelente medida preventiva de saúde pública incentivar a cessação do hábito de fumar, assim como promover medidas que evitem o risco do fumo passivo por não-fumantes em ambientes públicos.

Exposição ambiental ao fumo (fumo passivo) e as doenças oculares
Acompanhando uma tendência mundial de banimento do fumo em ambientes públicos, recentemente a Câmara dos Deputados de São Paulo aprovou lei municipal proibindo o fumo em ambientes públicos fechados, como bares, restaurantes, casas de show, escritórios e prédios públicos.
Tal medida, com impacto econômico e social significativo, vem ao encontro de um consenso médico já estabelecido de que a exposição do não-fumante à fumaça do tabaco (fumante passivo) pode iniciar ou exacerbar doenças como câncer de pulmão e doenças cardiovasculares em adultos, além de asma em crianças.
Tal exposição pode ainda induzir diminuição de habilidades cognitivas em crianças expostas à fumaça ambiental. A fumaça do tabaco é considerada o mais importante poluidor de ambientes fechados no mundo desenvolvido. A composição da fumaça do tabaco ambiental, proveniente de um cigarro ou de um charuto, é de duas origens: a queima do tabaco na ponta do cigarro (sidestream smoke, ou SS, correspondente a 80% da fumaça) e do tabaco exalado pelo fumante após a inalação pela ponta terminal de filtro (mainstream smoke, ou MS, correspondendo a 20% da fumaça). A fumaça da ponta do cigarro, ou SS, é mais tóxica que a expirada pelo fumante (MS), é de duas a seis vezes mais cancerígena e quatro vezes mais indutora de inflamação que MS. Há mais de 4 mil substâncias na composição da fumaça do tabaco, a maioria cancerígena, como o 1.3 butadieno, o acrilonitrilo, o benzeno, o benzopireno e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. As substâncias indutoras de inflamação mais importantes e identificadas na fumaça do tabaco são a acroleína, o formaldeído e solventes como o estireno e o fenol. Dependendo da variedade de tabaco usada, encontram- se também metais como níquel, cádmio, arsênico e ferro, que inalados em quantidades abundantes e cumulativas são potencialmente tóxicos aos humanos.
Do ponto de vista oftalmológico, já é bem estabelecida a relação entre fumo ativo e degeneração macular, oftalmopatia de Graves, catarata e doenças da superfície ocular. Mas o efeito da exposição à fumaça do tabaco ambiental e as doenças oculares é pouco estudado.
Detalharemos a seguir algumas evidências da associação do fumo passivo com doenças oculares.
"Do ponto de vista oftalmológico, já é bem estabelecida a relação entre fumo ativo e degeneração macular, oftalmopatia de Graves, catarata e doenças da superfície ocular. Mas o efeito da exposição à fumaça do tabaco ambiental e as doenças oculares é pouco estudado."

Erros de refração e estrabismo
Stone et al., em estudo seccional cruzado, demonstraram significativa associação entre erro de refração (alta hipermetropia) em crianças vivendo com pais fumantes (um ou ambos). No mesmo estudo, demonstraram que o hábito de fumar por pai ou mãe durante a gravidez estava associado à hipermetropia e estrabismo na criança.

Catarata
Enquanto há dados robustos que comprovam a associação do fumo ativo com a catarata, existem poucos dados na literatura a respeito do envolvimento do fumo passivo. Resultados de estudos científicos sugerem que a fumaça do cigarro pode contribuir na gênese da catarata por dano oxidativo e subsequente acúmulo de espécies reativas ao oxigênio. Outra forma sugerida de ação da fumaça do cigarro é que, por conter altas taxas de ferro e cobre, redutores do oxigênio e formadores de radicais livres tóxicos, seu dano oxidativo ao cristalino (ou lente) é inexorável.

Degeneração macular relacionada à idade (DMRI)
Como relatado no capítulo anterior, fumar é um dos mais importantes fatores de risco envolvidos na formação da DMRI. Com relação ao fumo passivo, no estudo conhecido como Blue Mountains Eye Study, Smith et al. demonstraram que havia um risco para DMRI tardia em fumantes passivos, embora com fraca correlação estatística. Kahn et al. demonstraram que a exposição à fumaça do cigarro pelo fumante passivo aumenta significativamente o risco de DMRI neovascular ou atrófica. Novamente, o dano oxidativo à retina (com formação de depósitos no epitélio pigmentar sub-retínico), o espessamento da membrana de Bruch e a redução do epitélio pigmentar, que normalmente protege a retina absorvendo a fração azul da luz ultravioleta, são os caminhos patogênicos supostamente envolvidos. Dado relevante é que a exposição experimental de ratos ao fumo passivo levou ao aumento dos níveis plasmáticos de fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), que desempenha papel-chave no desenvolvimento da DRMI neovascular.

Oftalmopatia de Graves
Evidências circunstanciais associam o fumo passivo como fator de risco para oftalmopatias distireoidianas. Elas derivam de um questionário usado na Europa para avaliar a frequência de oftalmopatia de Graves e seu tratamento em crianças e adolescentes até 18 anos de idade. Os autores desse estudo concluíram que a exposição à fumaça de cigarro gerada por pais, parentes e/ou responsáveis por crianças menores de 10 anos pode estar associada ao maior risco de desenvolvimento de distireoidopatia.

Doenças da superfície ocular
Irritação dos olhos, hiperemia, prurido e lacrimejamento são queixas bastante comuns em indivíduos expostos à fumaça do tabaco, sejam fumantes ativos ou passivos. Neste artigo, várias alterações da superfície ocular foram descritas como comuns em pacientes fumantes ativos. Em fumantes passivos, embora não existam estudos com o objetivo primário de avaliar a associação do fumo passivo com doenças da superfície ocular, existem diversos estudos correlacionando o efeito maléfico da fumaça do tabaco em pacientes com conjuntivite alérgica em países como França, Coréia e Estados Unidos.

Matéria escrita pelo Dr. Paulo Elias C. Dantas, Professor de Oftalmologia do Setor de Córnea e Doenças Externas do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo